
1 – ABLV  – Gustavo Korn  – Existe voz  normal? O que é a voz adaptada?
  
Dr.  Paulo Pontes – A voz  como função é muito abrangente; engloba além das características acústicas todo  o processo de sua produção que envolve diferentes órgãos e o que a torna  amplamente variável. É uma situação ímpar, pois todas as demais funções do  nosso organismo tem limites bem definidos. Preferimos utilizar o termo Eufonia  no lugar de voz normal, em contraposição à Disfonia, que significa presença de  qualquer dificuldade na emissão vocal e/ou da percepção de desvios nas características  acústicas. Quando as condições de fonação não são as ideais para um determinado  uso de voz, mas consegue-se suplantá-las, designamos adaptada a esta voz, e  como tudo que é adaptado é menos resistente às variações das solicitações.
    
2 – ABLV  – Gustavo Korn  – Como nasceu o conceito  de Alterações Estruturais Mínimas (AEM)?
Dr. Paulo Pontes – O  conceito de AEM é recente, mas suas bases foram apontadas em meados do século  XX por autores alemães que notaram variações nas formas das pregas vocais  relacionadas com disfonias. Como estas variações eram pouco notadas pelos  recursos disponíveis na ocasião, julgaram tratar-se de malformações ou  anomalias e as designaram malformações laríngeas menores ou anomalias laríngeas  mínimas.
Com o  advento da microcirurgia e do uso das fibras ópticas permitindo melhor análise  da morfologia verificou-se que estas variações não eram tão raras e percebeu-se  também que estas variações muitas vezes estavam associadas, inclusive com  variações na forma da laringe, como as assimetrias; também temos que levar em  consideração as alterações relativas ao gênero e idade. Faltava, portanto um  termo para designar estas alterações, que na realidade não são malformações,  mas variações anatômicas. Desta forma, para preservar a contribuição dos  primeiros autores, apenas trocamos os termos “malformações” ou “anomalias” por “alterações  estruturais” e em conseqüência surgiu “alterações estruturais mínimas”. 
  
  3 – ABLV  – Gustavo Korn  – O que são as AEM e como elas  se dividem?
Dr.  Paulo Pontes – AEM  são variações anatômicas da laringe que só interferem na voz preservando suas  funções vitais. Nós classificamos as AEM em três grupos: as assimetrias, as  variações da proporção glótica e as alterações de cobertura. Quanto às  assimetrias, estas refletem as diferenças entre as duas metades da laringe que influenciarão  na função fonatória de diversos modos como presença de fenda e de assimetrias  de amplitude e fase; geralmente ela está associada às AEM de cobertura. As  variações da proporção glótica, na quase totalidade estão relacionadas ao  gênero e idade. Apesar de fisiológica ela irá interferir no processo vocal,  inclusive nos tipos de lesões secundárias. As AEM de cobertura são modificações  na constituição do que hoje é conhecido como cobertura, ou seja, são variações  que são diagnosticadas na avaliação clínica e não nas análises histológicas.  Podem variar desde condições inadequadas para o aparecimento da onda mucosa até  modificações que assumem formas definidas nas pregas vocais; as primeiras  denominamos AEM indiferenciadas e as segundas AEM diferenciadas.
Nas  diferenciadas temos os sulcos, os cistos, as pontes de mucosa e os  microdiafragmas. Os sulcos, por sua vez, apresentam-se com formas distintas,  isto é, a depressão que formam nas pregas vocais podem ter suas superfícies em  contato, aos quais denominamos sulcos estrias menores, independentemente da  profundidade ou extensão, ou ter as superfícies afastadas e os denominamos  sulcos estrias maiores e, por fim, podem criar um espaço no interior das pregas  vocais e os identificamos como sulcos bolsas. Os cistos epidermóides são restos  de epitélio da cobertura que ficam aprisionados no interior da prega vocal e  quando traumatizados respondem com descamação formando uma lesão secundária, adquirindo  a forma clássica arredondada e esbranquiçada.
Geralmente  estas AEM de cobertura vem acompanhadas de trajetos anômalos dos vasos, que  designamos vasculodisgenesias para diferenciá-los de ectasias e varizes, que  são lesões secundárias.
  
4  – ABLV  – Gustavo Korn – A pessoa nasce com AEM? Por  que apresenta alteração da qualidade vocal em alguns casos na fase adulta?
Dr.  Paulo Pontes – As AEM  sempre são congênitas, mas podemos ter sulcos e cistos adquiridos, que são  secundários a um transtorno primário. A maioria das AEM se manifesta na fase  adulta, quando o uso da voz é mais intenso ou exige melhor desempenho, ou então  quando ocorrem lesões secundárias que farão aflorar os sintomas.
  
5  – ABLV  – Gustavo Korn – Qual é a conduta em criança com AEM e  alteração da qualidade vocal?  Como a  muda vocal pode interferir no momento do tratamento?
Dr.  Paulo Pontes – A  conduta nas AEM em crianças é a mesma da dos adultos, com a vantagem de que a  lâmina própria ainda não estando totalmente estratificada, ajudará no processo  cicatricial da correção. A muda vocal geralmente interfere de modo expressivo  na involução dos nódulos vocais nos meninos devido à modificação do padrão  laríngeo de infantil (semelhante ao feminino) para o adulto, que é percebido  pela variação de proporção glótica.
  
6 – ABLV  – Gustavo Korn  – Sulco estria menor: quando  manipular? Em que situação deve-se realizar remoção, cordotomia, ou  microdebridamento de lábio inferior?
Dr.  Paulo Pontes – O  sulco estria menor é sem dúvida a AEM de cobertura mais freqüente, porém pouco  diagnosticada. Na maioria das vezes ele é percebido pela presença de lesões  secundárias e destas o edema de lábio inferior é a mais comum. Geralmente a  fonoterapia na busca da adaptação é a melhor conduta, mas quando o edema não  tem condições de regredir fazemos seu esvaziamento evitando deixar áreas  descobertas. Nestas condições podemos desepitelizar o sulco e recobrir a área  com o retalho mucoso que se cria com o esvaziamento do edema. Em caso de dúvida  é mel
hor não manipulá-lo.
  
7 – ABLV  – Gustavo Korn  – Sulco estria maior: quais as  opções cirúrgicas? E o papel do franjeamento externo?
Dr.  Paulo Pontes – O  sulco estria maior pode receber cuidados desde fonoterapia até cirurgias não  conservadoras, na dependência da fenda, da onda mucosa e da elasticidade da  prega vocal. Para os sulcos menos extensos com preservação parcial da onda e da  flexibilidade está indicada fonoterapia. Nos casos de fendas amplas, mas com  flexibilidade de cobertura ficam indicados os implantes de fáscia ou gordura,  bem como tireoplastia I. Nos casos de grandes fendas, ausência de onda mucosa e  pouca flexibilidade está indicada a técnica de franjeamento externo ou “slicing  technique”, que atua no sentido de corrigir estes três desvios.
  
8 – ABLV  – Gustavo Korn – Qual o papel do franjeamento  interno? Quando se usa?
Dr.  Paulo Pontes – Realizamos  o franjeamento interno quando há predomínio de rigidez de lábio inferior do  sulco, ou cicatrizes que causam grande fibrose subepitelial. Nos casos mais  intensos associamos implante de gordura para preencher os espaços entre os  fragmentos.
  
9 –  ABLV  – Gustavo Korn – Ponte de mucosa e  vasculodisgenesia: quando manipular?
Dr.  Paulo Pontes – A ponte  de mucosa raramente causa sintoma expressivo na voz; geralmente ela é  responsável por lesões secundárias como leucoplasias, pólipos e granulomas na  parte membranácea da corda vocal. Se a sua posição não interfere na área da  onda mucosa e é de pequeno volume poderá ser removida, mas se participa do  processo vibratório deverá ser mantida utilizando-se a técnica de fixação que  consiste na desepitelização de sua face cordal e do corpo da prega vocal em que  está em contato com a ponte. Quanto à vasculodisgenesia, ela por si só não  causa alterações, são as AEM que produzem disfonia. Assim não se deve  manipulá-las.
 
10 – ABLV  – Gustavo Korn – Cisto epidermóide: quando  manipular?
Dr.  Paulo Pontes – O  cisto epidermóide deve ser manipulado sempre que seu volume e posição  interferirem na coaptação glótica e no processo vibratório.
Muito  freqüente é encontrarmos pequenos cistos na profundidade da prega vocal sem as condições  anteriormente citadas; nestes casos geralmente a disfonia é decorrente de  outras alterações da estrutura da cobertura que acompanham os cistos; nestas  condições é aconselhável não remover os cistos com risco de gerar fibroses e  piorar a voz.
  
11 – ABLV  – Gustavo Korn – Quais são as considerações  para profissionais da voz?
Dr.  Paulo Pontes – AEM  não deve ser impedimento para o uso profissional da voz. Ela pode se adaptar  naturalmente ou por fonoterapia, ou então, corrigida por cirurgia. 

